Famílias

| por Fernando Augusto Dias Afonso (edição e revisão: Waldomiro Vitorino)

Acredito que todos já repararam em como as tripulações das séries de Star Trek se tornam famílias. E certamente até torcem pra isso. Porém, se pensarmos bem, a maioria dos personagens são oficiais de carreira, que ficariam algum tempo em seus postos e seguiriam adiante até um dia chegarem ao Almirantado. Mesmo ignorando o fato de que são programas de TV e os personagens têm que ficar por quanto tempo durarem suas respectivas séries, acredito que podemos também analisar a história dos personagens para entender porque os mesmos ficam em seus postos por anos, ao invés de seguirem em frente. Adiantando a reposta, é justamente porque na maioria das vezes, os personagens se tornam uma família.

Contudo, porque seria tão importante para eles se tornarem uma família? Analisando as tripulações da Frota Estelar de todas as séries temos algumas observações sobre cada uma delas. Em Enterprise, a NX-01 era o ponto mais alto que eles poderiam chegar em suas carreiras naquele momento. Porém, a personagem da T’Pol poderia ter seguido a sua carreira com os Vulcanos e chegou a desobedecer a ordens para poder ficar na nave. No entanto, permanecendo na nave, ela encontrou uma família que nunca teve.

A importância da família para uma pessoa é obviamente imensurável. Não importa a configuração da sua família, ela é algo que você sabe que estará sempre lá para você, independente do que aconteça. Foi isso que a T’Pol encontrou na nave, algo que ela nunca teve. Aliás, podemos ver na quarta temporada da série, que o pai da T’Pol já havia falecido há muito tempo e a relação dela com a mãe era quase confrontativa, não exatamente o esperado de uma relação entre mãe e filha. Assim, viver na NX-01 e encontrar o amor incondicional da tripulação foi algo totalmente novo para ela.

Ao final da série, mesmo com novas naves sendo construídas e a Federação sendo fundada, Malcolm Reed fala que iria ficar ao lado de seu Capitão. Mesmo agora com opções em sua carreira, Reed também queria estar com a família que encontrou ali na nave e que nunca teve antes em seu lar na Terra, como foi mostrado na primeira temporada.

Quando falamos em Voyager, temos que entender que a natureza da série faz com que aquela nave tivesse que se tornar uma família de qualquer maneira. Entretanto, personagens que tinham uma família mais bem estruturada como Harry Kim tinham muito mais vontade de voltar para o Quadrante Alpha, enquanto que personagens que tinham problemas familiares, como Tom Paris e B’Elanna Torres, não demostravam a mesma motivação. Pelo contrário, construíram uma vida na nave ao ponto de Tom chegar a falar abertamente que não queria voltar ao Quadrante Alpha. Ou melhor, finalmente acharam uma família, devido às faltas que suas próprias famílias tiveram com eles anteriormente.

Mesmo se considerarmos a divisiva série Discovery, a mesma ligação pode ser vista com Saru e a Capitã Philippa Georgiou, uma vez que ele abandona seu mundo e sua família. Tendo um pai conservador, Saru vê na Capitã sua libertadora, tomando ela como mentora ou mesmo quase como uma mãe.

O mesmo fenômeno pode ser visto na tripulação de Deep Space Nine, onde apesar de vários personagens terem trazido suas famílias com eles, a ligação que o Dr. Bashir faz com seus colegas, principalmente com o Chefe O’Brien pode ser entendida melhor pela verdade sobre seu passado e o que os pais fizeram com sua genética. Afinal, mesmo com pais que eram amorosos com o Doutor, a relação entre eles nunca foi boa, o que fez a ligação de Bashir ser ainda mais forte com seus colegas.

Apesar de todos esses laços, sem dúvida as tripulações das Enterprises da TOS e da TNG são as que melhor podemos analisar essa relação entre a estrutura familiar e a necessidade de ter uma família “postiça” criada com determinada tripulação. No caso da série original, podemos ver o Capitão Kirk ir de um líder mais formal nos primeiros episódios, para alguém muito mais confortável e familiar para com a sua tripulação no decorrer da TOS e além. Pois, apesar de ter crescido com uma família que o amava (diferente do caso do Kirk de Chirs Pine que claramente não teve uma estrutura familiar boa), as diversas decepções amorosas e tragédias pessoais (com Kodos – O Carrasco, morte de seu irmão, noivados desfeitos e até a morte de seu filho) fizeram com que cada vez mais o personagem ficasse dependente da família que criou na Enterprise. Em especial, sua ligação com Spock, que no caso, nunca teve uma boa relação com seu pai e suas decisões de vida foram claramente influenciadas pela relação com Kirk e também com o Dr. McCoy. Este, aliás, tragicamente teve que fazer a eutanásia de seu próprio pai.

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No entanto, voltando para a Nova Geração, é na tripulação da Enterprise D que podemos melhor analisar essas questões familiares. Por exemplo, a Dr. Crusher e seu filho tendo que superar a perda de Jack Crusher, e encontram na Enterprise uma maneira de lidar com a tragédia; La Forge que foi criado de lar em lar pelos pais, que eram oficiais da Frota Estelar, mas que foi somente na Enterprise que encontrou a estabilidade que tanto queria; Data, que apesar de ter uma longa carreira na Frota, só lá foi aceito como algo mais do que uma ferramenta; Tasha Yar que escapou das garras de uma vida cruel e encontrou propósito na Frota Estelar; Troi que cresceu com uma mãe severamente marcada pela perda de sua filha pequena e mais tarde a de seu marido, e se agarrou em Troi de tal maneira que a levou para o serviço estelar; Worf, que cresceu com pais adotivos que o amavam, mas sempre reparou que era diferente de todos e nunca foi realmente aceito pela sua sociedade; o Capitão Picard que desafiou as tradições de uma família que nunca o compreendeu; e talvez o maior exemplo: Will Riker. Afinal, ele poderia ter seguido sua carreira e se tornado capitão por várias vezes, mas preferiu ficar na nave em que havia encontrado paz e felicidade, algo que seu pai nunca pôde lhe dar, principalmente após a morte de sua mãe.

Todas essas relações, trazem um passado rico para os personagens, mas também a profundidade necessária para que Star Trek vá além de ser uma franquia sobre lutas espaciais e explosões, para servir de um verdadeiro estudo da condição humana.


Fernando Augusto Dias Afonso

     


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