JL, O Arrogante
| por Zildo Zukovyper Valhares (edição e revisão: Waldomiro Vitorino)
Diz o dicionário: “Arrogância é um substantivo feminino; qualidade ou caráter de quem, por SUPOSTA superioridade moral, social, intelectual ou de comportamento, assume altitude prepotente ou de desprezo com relação aos outros.”
Durante os anos em que vimos Picard comandar as Enterprises D e E, eu desafio o leitor trekker a me apontar situações em que o capitão assumiu uma postura de prepotência ou arrogância. Tendo maratonado todas as temporadas de TNG e filmes antes da estreia de Star Trek: Picard, eu vos asseguro que esses momentos inexistiram. As reuniões de Picard com os oficiais superiores eram frequentes e sempre permitiam amplo direito de opinião a todos, o que frequentemente norteava a decisão que, em último caso, era prerrogativa do capitão.
Mas parece que a idade, experiência de vida, o tempo em que ficou parado em seu vinhedo, ou a má intenção de novos roteiristas transformaram Picard num velho arrogante. Pretendo demonstrar esse ponto de vista citando as falas e atos do próprio “JL”.
No primeiro episódio, já nos antecipando a mudança de personalidade de Picard, Laris nos alerta antes da malfadada entrevista: “Às vezes me preocupo que você possa ter esquecido do que fez e quem você é”. JL os trata realmente como serviçais na casa, o que é refletido por outra frase da romulana: “Estaremos na cozinha se precisar”. “Não há um legado tão rico quanto a honestidade”, diz JL com certo desdém em uma cena, que já causa estranheza pela clara autoindulgência que nunca se viu antes no personagem (“Olha só como eu sou honesto!”). Já perto do final do episódio, JL desdenha do holograma do museu: “Se isto é uma tentativa de humor, então você não deveria largar este seu emprego atual” (“pois como humorista você é uma droga!”).
No segundo episódio, apesar do aviso de seu médico e amigo da época da Stargazer, JL afirma: “Agora, sabendo que estou terminal (e minha doença grave com potencial de alucinações e demência) eu quero MESMO sair em missão (e por isso colocar a vida de alguns subalternos em risco)”.
E claro, toda interação de JL com a Almirante Clancy é um show à parte. Depois de ter ficado anos afastado da Frota Estelar num “divórcio” pouco amigável, ele aparece do nada dizendo “Eu quero uma nave e uma tripulação. Se você achar que minha patente chama muita atenção, eu aceito (!) ser rebaixado a capitão”. Obviamente a minha resposta mental foi a mesma de Clancy: “Que arrogância!”. Vale aqui um comparativo em relação à ocasião do rebaixamento de Kirk após uma missão que salvou o planeta Terra: lá, a “punição” do rebaixamento foi convertida em prêmio já que Kirk pôde voltar a comandar oficialmente uma nave estelar.
Ao final do segundo episódio, JL demonstra que escolheu uma tripulação dispensável (que não tenha nada a perder e que o odeie), já que não quer levar os verdadeiros e leais amigos para uma eventual morte. Mais um sinal de desprezo pela vida humana, romulana ou o que seja.
No episódio 3, o ultimato que JL aplica no comando da Frota é mais um sinal de sua arrogância: “Aceitem meu plano de evacuação dos Romulanos ou aceitem minha demissão”. Saindo com cara de cão chutado da mudança, ele afirma: “Nunca pensei que eles fossem aceitar minha demissão“. Ele se achava assim tão insubstituível? Se sim, é mais um traço arrogante.
Eu poderia me alongar mais, enumerando outras falas e ações de JL, como quando chegou no boteco do assentamento Romulano. Sabendo que faltavam poucos minutos para ser teletransportado de volta para La Sirena, ele arranca a placa (xenofóbica sim, é verdade) apenas para arranjar uma encrenca, como se ele tivesse o direito de hostilizar os locais em sua própria terra. Ou quando ele aplaude, totalmente dissociado da realidade, o esforço de Raffi se humilhando para conseguir credenciais diplomáticas para o cubo Borg (Raffi sai de cena arrasada e carregada, e não recebe nem um muito obrigado de JL, ou um abraço por sua situação arrasada).
Ao episódio 7, Riker novamente verbaliza o quanto JL é arrogante. Não o capitão das Enterprises D e E, mas este de agora, que dá pouco valor à vida e aos problemas de sua tripulação. Não aquele que queria fazer o possível pra incluir o complicado Barclay nas rotinas da nave, mas este que precisa soletrar de modo irritado a um desavisado funcionário de portaria. Não aquele que aprendeu flauta e viveu uma outra vida em 25 minutos, mas este que responde (usando o combadge na orelha, por quê?) para sua primeira oficial enquanto brincava de esgrima com uma criança: “Agora não, Raffi, estou ocupado”.
Talvez seja por isso que aos 30 e tantos minutos do último episódio, JL “salva a galáxia” e, logo após, morre sozinho num planeta a anos-luz de sua casa, apenas cercado de um bando de desconhecidos que o odiavam, desprezavam e o maltratavam, ao invés de estar nos braços de pessoas que o tinham como líder e símbolo a ser seguido. Essas pessoas são Riker, Worf, La Forge… e nós, que acompanhamos todos os feitos que fizeram de Picard o melhor capitão de todos os tempos.
Zildo Zukovyper Valhares
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